segunda-feira, 10 de agosto de 2009

HOMILIA DO JUBILEU DE PRATA DA PRESENÇA DOS RELIGIOSOS DE SÃO VICENTE DE PAULO NO NORDESTE DO BRASIL



São Gonçalo do Amarante – RN, 02 de agosto de 2009.

Impulsionados pela Caridade

Meus irmãos e minhas irmãs: Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para sempre seja louvado o Senhor, por todo o bem que ele nos fez, ao longo desta caminhada de 25 anos dos RSV em terras nordestinas.

Celebrar um jubileu além der dar Graças ao Senhor é uma oportunidade de reconhecer as nossas limitações, erros e fragilidades que a história nos mostra, é também a oportunidade de nos deixar impulsionar pela caridade e nos lançarmos com esperança para frente, alimentados com o Pão do céu.

Nada melhor do que nos deixar confrontar com a Palavra de Deus, com esse alimento sólido que o Senhor nos dá, para renovarmos a nossa resposta a Ele como RSV, membros da família Leprevociana e todos os leigos (as) que partilham do Carisma do Pe. Le Prevost, em nossas implantações e nos lugares onde a semente do Carisma foi plantada e continua sendo cultivada por aqueles que beberam da deste Carisma e querem continuar bebendo. É o caso dos irmãos (as) de Fortaleza – CE que estão aqui conosco.

No domingo passado, João contou-nos como Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na “outra” margem do Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao “cair da tarde” desse dia, Jesus e os discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).

O episódio que o Evangelho de hoje nos apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e dirigiu-se ao seu encontro.

A multidão encontra Jesus na sinagoga de Cafarnaum - uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se desenrola uma parte significativa da atividade de Jesus na Galileia. Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).

A cena inicial (vers. 24) parece sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado. Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.

Contudo, Jesus percebe facilmente que a multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim, o fato de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa que tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo fácil e barato de resolver os seus problemas materiais.

Na verdade, o gesto de repartir pela multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal entendido.

Por isso, nem sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (”Mestre, quando chegaste aqui?” - vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum. As palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura do alimento material, está a esquecer o essencial - o alimento que dá vida definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz (vers. 27).

O que é preciso fazer para receber esse pão? - pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é preciso aderir a Jesus e ao seu projeto (vers. 28). Na cena da multiplicação dos pães, a multidão não aderiu ao projeto de Jesus (que falava de amor, de partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía pão e peixes gratuitamente e em abundância. Mas, para receber o alimento que dá vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com os irmãos, no serviço simples e humilde as outras pessoas. É acolhendo e interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.

Os interlocutores de Jesus não estão, no entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva. Custa-lhes a aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto espetacular - como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada - para provar que a proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?

Jesus responde pondo a questão da seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do ser humano. Só Deus dá ao ser humano, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers. 32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espetaculares, que deslumbram e impressionam, mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.

A última frase do nosso texto identifica o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio pão que Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers. 35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez) um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à sua realização plena, à vida eterna.

A partir do que a Palavra de Deus nos provoca, podemos chegar a algumas conclusões:

  • O caminho que percorremos nesta terra é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de realização, em valores efêmeros, em propostas que parecem sedutoras, mas que só geram escravidão e dependência. Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são valores efêmeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida?
  • Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus sacia a fome e a sede da humanidade e lhe oferece a vida em plenitude. Isto leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?

  • O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome do ser humano. Aderir a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e interiorizar os seus valores, segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações de boas intenções, ou atos institucionais que nos fazem constar dos livros de registro da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
  • No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimônio na Igreja porque, assim, a cerimônia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco fazer a Profissão Religiosa, mas a minha vida não expressa uma verdadeira adesão a Jesus e os irmãos. É um equivoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida comoda e tranquila; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que só Ele é o “pão” que nos dá vida.
  • A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do ser humano para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus atua na vida do ser humano de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do ser humano e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus, para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.

Meus irmãos e minhas irmãs: peçamos nesta Eucaristia a Graça de vivermos uma profunda comunhão com Jesus. Nele seremos impulsionados pela caridade para irmos ao encontro dos nossos irmãos e irmãs, como discípulos e missionários.

Termino com um apelo: rezem pelos RSV, para que sejamos homens do absoluto e puro amor. E com essas palavras do Pe. Le. Prevost: “É uma grande tarefa formar homens na perfeição cristã, fazer deles verdadeiros religiosos, capazes de concorrer para salvação do próximo. Reze para que cheguemos a este resultado tão interessante para toda a nossa pequena família”. (CPLP 3, 467)


Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Pe. José Gilmar Moreira, sv

Superior Provincial dos Religiosos de São Vicente de Paulo no Brasil


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